quinta-feira, março 08, 2012

Aplacar o sofrimento das almas moribundas

Primeiro Sussistanako (a Mulher Aranha) pensou em uma pedra. Sentou nessa pedra. Fiandeira, começou a trançar os braços, dois, muitos, envoltos por uma fina e sedosa teia. Velha, dona de mais de um bilhão de anos, passou a imaginar cada coisa do mundo e o mundo se pôs a existir. Primeiro as terras, depois os mares, depois as gentes. Ela criava.

Para ajudá-la, fez nascer Iatiku (que ganhou o apelido de Mãe do Milho). Ouvi alguém falar que Iatiku não é tão importante assim. Ora! Quem ri hoje, foi porque lá atrás, Iatiku concebeu o Khosari, um bobo fazedor de sorriso nas gentes. Um palhaço, sabe? Dizem que as plantas e o seres humanos também foram ideia de Iatiku. Do que eu vi, foi Sussistanako quem trouxe pessoa-homem pra cá. Das plantas, não me lembro bem. Talvez tenha sido Iatiku mesmo. Não sou eu quem vai contestar.

As duas moraram de favor na minha casa. Faz tempo. Quando Iatiku desistiu de viver com seu marido, o Coiote. Ele estava cada dia mais transtornado e violento. Assim que foi deixado, começou a persegui-las cheio de ameaças. Iatiku carregava um bebê na barriga. Passaram, lá minha casa, três meses. Eu queria que ficassem mais. Até a criança nascer, pelo menos. Até ganhar força para comer comida de gente. Não deu tempo.

Onde Iatiku passava a noite, cresciam todos os tipos de plantas comestíveis. Principalmente o milho. De um grão dourado que parecia até ouro. Foi isso que chamou atenção para a minha casa e fez correr boataria até o marido abandonado. O homem atravessou, a nado, dois oceanos. Distância que estava de nós. Apareceu furioso na cidade.

Coloquei as duas mulheres dentro de um ônibus. Foram para longe. Fiquei para receber o sujeito.  Teve atrito. Teve conflito. Na briga, perdi um braço. Ele a vida. Desde então, fui encarregado de livrar as almas das pessoas de seus corpos (alguns me dariam o apelido de Morte).

Só voltaria a ver aquelas duas dois anos mais tarde. Quando chegou tempo da Mulher Aranha ir embora. Antes de tudo, ela me fez outro braço e outro e mais outro. Compensar o que eu perdi. Naquele dia, Iatiku me chamou para morar junto dela e do filho. Eu queria. Não podia. Agora tinha que correr o mundo sem parar. Aplacar o sofrimento das almas moribundas. Antes de sair, entreguei um alfabeto à criança. O primeiro deles. E fui.