sexta-feira, novembro 29, 2013

O velho

“Ge...ge...ge...”, repetia o velho como se essa fosse sua risada. O som atravessava, aos tropeços, suas gengivas sem dentes e saia para o mundo por um rasgo imenso que quase sempre esboçava um sorriso.

 - Chapéu de palha. Roupa de algodão cru encardido. Tez canela. Traços caboclos. Banco de madeira. Beira de estrada. Tempo dilatado. Sol quente. Sombra de árvore.

“Bafação!”, comentou com o vira-lata ao seu lado. O cão só olhou pra cima, sem se mexer, desmilinguido com o calor. A cada hora, o bicho se encolhia um pouco mais, tentando aproveitar ao máximo as sombras do homem e da árvore projetadas no chão.

13:20, o homem tava lá. 13:21, o homem tava lá. 13:22, o homem tava lá. 13:23, o homem tava lá. 13:24, o homem levantou. Atravessou a estrada lentamente, parou no meio dela, prestou atenção nos cheiros que lhe chegavam nos dentros, continuou. Passo a passo, alcançou o outro lado.

terça-feira, novembro 26, 2013

Sapatilha

Passinhos com postura exemplar.
Os pés nas pontas dos pés. O voo dos calcanhares, u
                                                                         m   
                                                                    m         
                                                               m                
                                                          m                          
                                                               m                               
                                                          m      
                                                     m
                                                          m
                                                     m           
                                                m           
                                           m       
                                      m    
                                 m    
                            m                       
pulo com rodopio.
Que bonita a bailarina.

terça-feira, setembro 18, 2012

Como poeira na gordura


para Leda Cartum

A distância cola feito poeira na gordura da pele.
Passa o tempo, e o sentimento,
obnubilado,
pergunta se
a pessoa querida
existiu mesmo
ou
foi apenas sonho.
A distância cala feito poeira nas estantes.
E a garganta, ardida, não consegue
reclamar
saudades.
A distância sela nosso lombo e nos cavalga
nos descontrolo que é existir, disparada,
no longepertopertolonge,
nas entremargens, nos  entrepostos,
no aqui nosso de cada segundo,
no viscoso dia a dia (turbilhão desenfreado).

Aos poucos, surge um código binário de lembreis cada vez mais escassos: esqueci, esqueci, lembrei, esqueci, lembrei, esqueci, lembrei, esqueci, lembrei, esqueci, esqueci, esqueci, esqueci. Primeiro, quanto a momentos no dia, depois, dias na semana. Mais tarde, nos damos conta de que já estávamos a um ano sem lembrar. E anos, temos tão poucos.

A resposta pra um poema destes todos sabem: uma palavra, um gesto, um abraço, de repente, transpõem tudo - as geografias, as metamorfoses, os humores - e a gente, mesmo que por apenas um átimo, se realcança.

(Inevitável:)
depois
volta
a distância,
poeira na gordura.

Mas e daí?

É bonito como essa coisa,  
a amizade,
dispersa o acúmulo de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo e
                             de novo...