- Ando meio amargo.
- Muito cacau na sua vida, meu bem?
- Engraçadinha. Estou perto dos 30 anos e.
- Não me venha com essa conversa dos 30 anos. Você fala dela desde que fez 25. Agora não está nem na metade dos 27. Você gosta de "trintaanizar" a conversa.
- Esses diálogos fazem com que me sinta em um daqueles romances espíritas sobre tragédias, autodescobertas e espíritos de luz. Aquela "bregaiada" toda, sabe? É difícil conversar e não cair em uma dessas ideias pré-prontas, que fingem carregar o que queremos dizer.
- Não me venha com essa conversa dos 30 anos. Você fala dela desde que fez 25. Agora não está nem na metade dos 27. Você gosta de "trintaanizar" a conversa.
- Esses diálogos fazem com que me sinta em um daqueles romances espíritas sobre tragédias, autodescobertas e espíritos de luz. Aquela "bregaiada" toda, sabe? É difícil conversar e não cair em uma dessas ideias pré-prontas, que fingem carregar o que queremos dizer.
- E o que é que você quer dizer, Fábio?
- Lídia, eu quero expor para você uma angústia enorme que eu
estou carregando aqui dentro. Grande, que eu nem sei onde começa e onde acaba.
Grande, que eu não consigo achar palavras para descrevê-la.
- É porque você perdeu o seu emprego, não é? Todas vez que
fica desempregado começa a ficar depressivo. Até achar algo novo, sempre a mesma
coisa. Por mais que não tenha sido culpa sua a demissão, começa a se achar um
merda, que não serve pra porra nenhuma, que está no ramo errado.
- Espere aí! Um: Agora você começou a assustadoramente
parecer um daqueles romances espíritas. Devolva minha namorada! Onde você a
colocou, seu alienígena invasor de corpos?
- Besta!
- Dois: Eu também estava angustiado trabalhando. Só não
tinha tanto tempo para parar e pensar nisto. Eu quero ganhar dinheiro e
sobreviver, mas quero fazer ajudando o mundo a se tornar um lugar melhor. Ao
mesmo tempo, não quero abrir mão de certos confortos conquistados por nossa
sociedade cheia de problemas.
- "Nossa sociedade cruel e sanguinária", não era
assim que você dizia?
- E é assim que é. Para chegarmos nessa.
- "Supremacia branca".
- Você está querendo mostrar o quanto sou previsível?
- Não, Fábio. Acho bonito que você tenha um entendimento
consolidado da realidade que estamos inseridos. Realmente vivemos em uma
supremacia do homem branco, heterossexual de classe média alta para cima, que
matou, pisou e seduziu muita gente para chegar onde está. Mas você precisa
repetir isso sempre para mim, como se fosse o sermão da montanha? É cansativo,
desgasta nossa relação e as palavras ficam parecendo dizeres ao vento. É uma
coisa doutrinária que eu sei que você não quer passar. Do que você precisa
agora? De alguém que ouça suas teorias mirabolantes pela enésima vez? Ou quer
realmente tirar algo de sua angústia?
- Eu não queria nada, Lídia. Eu queria morrer.
- É isso mesmo que você quer?
- Não.
- O que você quer?
- Você. Quero você, vem cá.
- Espere aí. Vamos esquecer tudo isto e transar, para depois você recomeçar sua angústia? Pior ainda: o "reloaded" vai ser na versão
aprimorada pelo seu famoso "vazio pós-sexo".
- Lídia, detesto quando você fica racional demais. Me sinto
ainda mais fraco. Me faz um cafuné. Te juro que um cafuné seu, neste exato
minuto, me salva a vida.
- Vem cá, seu merdinha. Às vezes eu acho que você ainda não
chegou aos 15 anos. Já te falei que você fode que nem um garoto de 15 anos?
- Mal assim?
- Não, entusiasmado assim.
- Lembra daquele trecho do Ballard que eu te falei?
- Da pornografia?
- É. "A pornografia é a forma mais política de ficção,
pois aborda como usamos e exploramos uns aos outros, de modo mais urgente e
impiedoso". Ah, isso é meio anticlímax, não é?
- Haha, total. Mas já estou acostumada com você.