quarta-feira, setembro 15, 2010

Chovendinho

Cada pedaço de mim

Um par de nuvens se encontrava no céu formando uma massa grande e monstruosa.

- Quando tem dessas, filho, é que vem chuva forte.

Mandou a molecada recolher os lençóis que Amanda tinha passado a manhã estendendo. O cachorro, um babucho mais grisalho do que preto, havia latido o dia inteiro, mas silenciara com a escuridão. O suco de melancia na geladeira estava pra azedar.

- Pai, como é que é ser feliz?

- É ter comida pra comer, filho.

- Só isso?

- Tudo isso.

Nunca tinha nevado, mas os primeiros flocos de neve começaram a cair. De princípio acharam que eram cinzas da queima da cana. Depois foram vendo que era mais feito o sorvete da venda do Seu Ademar. Chamou as crianças pra dentro, que de repente fez frio.

- Pai, tá chovendo guloseima?

- Não sei filho, mas se enrola nos panos que tá esfriando.

Amanda chegou carregando dois baldes de água do poço. Cumprimentou o marido com um abraço gostoso e fez festa na cabeça de cada uma das crianças. Tava com o bolso cheio de rapadura que a Dona Zenaide tinha mandado pros menino comê.

- Viu a neve? - o homem perguntou.

- Se vi! - ela respondeu.

Na casa lá, não tinha TV não. O cão dormia numa cabaninha feita com madeira de caixote de feira.

- E vai dar colheita com esse sorvete todo chovendinho do céu?

- Não sei não, Manda, pessoal do sul diz que queima tudo as plantação.

- E agora?

- Agora? Me dá um bocado dessa rapadura que eu tô cuma querência danada.

Em cima da mesa, com uma faca grande, ela dividiu a rapadura em sete, jogou um pedaço, o menor, pro cão, e o resto dividiu pela família. Marido, quatro crianças e ela. As flor do jarro de barro tavam caidinhas. Tinha antúrio e copo-de-leite. Murchas.

O menorzinho dos meninos resolveu milagrear. Ainda masmordendo a rapadura entre dentes, abriu sorriso com olhos brilhantes e pôs o sol pra nascer den'do'quar' onde dormiam. Era solzinho só, que o de verdade nem num caberia.

Esse dia aí era sábado, e o da pergunta - que era um dos do meio - foi dormir pensando que felicidade não era só comida, tinha que tinha de ser algo mais.

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